terça-feira, 16 de novembro de 2010

barulho de novela, barulho do datena: barulhos; não sons, mas barulhos e meu coração fazendo barulho de um jeito que só eu escutava, mas ela é mãe, a outra é irmã e entre os tostex eu pedi que parássemos com essa história de casa, de mudança, de corretores, eu estava cansada, eu tive insônia e eu estou em silêncio há muito tempo durante o jantar, então aquele barulho todo me fez chorar em cima do sanduíche (minha mãe é quem faz o pão). elas me olharam, passando a mostarda, perguntando ao mesmo tempo se eu queria maionese/por que eu estava chorando. respondi cheia de sinceridade: porque vocês estão aqui e há muito tempo eu não choro com alguém olhando. rimos.





fernanda d'umbra

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ao longo de treze anos

minha ex-mulher guardou

folhas de árvores em meio

às páginas dos livros

que eu lia



eu nem percebia



desde então ao me deitar

e abrir um livro na cama

aquelas mesmas folhas caem

em meu rosto

tiram meu sono



à noite é sempre outono









joca

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

enquanto velo teu sono

Perception of an object costs
Precise de object’s loss.
Emily Dickinson

I
No silêncio da noite
em vigília de insônia
velo teu corpo
e o admiro
como ao copo translúcido
ao lado de tua cabeça.

II
Teu corpo deitado na cama
tem a mesma inquietude do copo,
a inquietude da água desse copo
pronta a derramar-se
como teus cabelos sobre o lençol;
a mesma inquietude
pela sede que evoca.

III
Um copo translúcido e calmo
que perturba o cristalino.
Um corpo de água
todo espraiado
entre os lençóis de água
de que é feito o branco da cama
a derramar em dobras dentro
dos limites do leito.


IV
Um corpo cheio até a boca
entre lençóis de água.

V
A cama
toda se alagando
entra por meus olhos cheios
do líquido que derramam
teus cabelos.






adalberto müller

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

o túnel

depois da nossa despedida, os motéis baratos ilhados à beira da estrada. os passageiros tagarelas, ironicamente sentados ao lado de passageiros ensimesmados, insistem em puxar conversa. a rodovia à noite é um túnel coberto umas vezes por copas de árvores, outras pela cúpula escura do céu, que nenhum farol alto alcança. na poltrona oito eu adormeço com meio dramin que imita a lua crescente.

terça-feira, 16 de março de 2010

Faustine

"Não espero nada. Isso não é horrível. Depois que assim decidi, ganhei tranquilidade. Mas essa mulher me deu esperanças.
Contempla o pôr-do-sol todas as tardes; escondido, eu a contemplo. Ontem, hoje novamente, descobri que minhas noites e meus dias esperam por essa hora. A mulher, com a sensualidade de uma cigana e com o seu lenço de cores demasiado grande, parece-me ridícula. Entretanto sinto, talvez um pouco de brincadeira, que se pudesse ser olhado um instante por ela, se me houvesse falado um instante, afluiria de uma só vez o socorro que o homem tem nos amigos, nas namoradas e nos que estão no seu próprio sangue."





trecho de "A Invenção de Morel", de Adolfo Bioy Casares

sexta-feira, 5 de março de 2010

eu durmo comigo

eu durmo comigo/ de bruços deitada eu durmo comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão longa em que não durma comigo/ como um trovador agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo comigo às vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir ao lado.






angélica freitas

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

carnaval, desengano

"Estão vendendo a sua cultura

Esta entrevista de Elton Medeiros concedida ao jornalista João Bosco Rabello foi publicada no suplemento cultural de domingo do Correio Braziliense no 22 de janeiro de 1978. Na ocasião, Elton já lamentava os tristes rumos que as Escolas de Samba estavam tomando. Como podemos ver hoje, foi um caminho sem volta: as agremiações de samba tornaram-se um inescrupuloso negócio."



via pratoefaca.blogspot.com

domingo, 31 de janeiro de 2010

Poesia

Dias e noites
tangendo
em meus nervos
de harpa

vivo desta jóia
doentia do universo
e sofro
de não sabê-la
acender
na minha
palavra.



Giuseppe Ungaretti, tradução de Elson Fróes

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"Foi um doloroso despertar. Por que as coisas eram tão erradas assim? As perguntas que eu me fazia desde menino um sem-número de vezes subiram novamente a meus lábios. "Por que todos nós somos oprimidos pelo dever de destruir tudo, mudar tudo, confiar tudo à impermanência? É a esse dever desagradável que o mundo chama vida? Ou sou eu o único para quem isso é um dever?" Pelo menos não havia dúvida de que eu era o único a considerar o dever como uma carga pesada.
Finalmente falei:

- Então, você vai embora...Mas claro que mesmo que ficasse aqui, eu teria que partir dentro de pouco tempo...
- Para onde você vai?
- Resolveram mandar-nos viver e trabalhar em alguma fábrica novamente, no começo deste mês ou em abril.
- Mas uma fábrica... Vai ser perigoso, com os ataques aéreos e tudo.
- Sim, vai ser perigoso - respondi desanimado.

Despedi-me tão rapidamente quanto possível..."




trecho do livro "Confissões de uma máscara", de Yukio Mishima.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010