segunda-feira, 30 de junho de 2008

vodka congelada

impossível como a saudade, o repetido pêndulo do tempo:
um obstinado imprimindo sua própria lógica ao louco.

O enigma de Hempel

todo corvo é preto

e cada corvo preto

confirma o negrume dos corvos.

se todo corvo é preto então

todo não-preto é não-corvo

e se todo não-preto é não-corvo

então todo corvo é preto.

todo corvo é preto

todo não-preto é não-corvo

e cada não-preto não-corvo

- cada folha verde cada onda

azul cada gota de sangue -

prova o negrume dos corvos.



Antônio Cícero.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

o peixe morreu de sêde...

...nós, canibais, vamos comê-lo no almoço de hoje.

Os Três Mal-Amados

Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas.
O amor comeu metros e metros de gravatas.
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos,
o tamanho de meus chapéus.
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e
de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas.
Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X.
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.
Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso:
pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete.
Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios:
meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro,
o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde
irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta,
cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas.
O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos,
e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo,
com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos,
sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras,
comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares,
cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.
Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava
por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas.
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio,
os anos que as linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra,
as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.

Comeu meu silêncio,
minha dor de cabeça,
meu medo da morte.


João Cabral de Melo Neto

DONNA MI PRIEGA 88

        se amor é troca
ou entrega louca
discutem os sábios
entre os pequenos
e os grandes lábios

no primeiro caso
onde começa o acaso
e onde acaba o propósito
se tudo o que fazemos
é menos que amor
mas ainda não é ódio?

a tese segunda
evapora em pergunta
que entrega é tão louca
que toda espera é pouca?
qual dos cinco mil sentidos
está livre de mal-entendidos?

(Paulo Leminski)

quarta-feira, 25 de junho de 2008

tão certo como sem dúvida

oh, estéril semana de provas
eu num desapego de condenado
e o fuzilamento adiado para as férias

terça-feira, 24 de junho de 2008

" Errância - O navio fantasma

(...)não posso eu mesmo (sujeito enamorado) construir até o fim minha história de amor: sou o poeta (o recitante) apenas quanto ao começo; o fim dessa história, assim como minha própria morte, pertence aos outros, a eles cabe escrever esse romance, narrativa exterior, mítica."





(extraído do livro "fragmentos de um discurso amoroso", de Roland Barthes).

valendo uma brahma geladinha:

posso apostar que, num frio desses, tem gente tomando banho todos os dias!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Paulistana de verão




Branca
segura a saia
surpreendente e mínima
como quem não
se sabe mostrar


No calor
desacostumada
insegura
atravessa a rua
revela-se
quase sem querer


Beleza zl
deslocada
fingida pedra
desce da penha
retrô querendo-se moderna

O vento
leva-lhe a quase
saia
e vê-se a jóia
surpresa lapidada

que desaparece na boca quente
do metrô.




AD


Beleza distante
diz tanto
a quem te sabe
ad
mirar.







(do poeta Frederico Barbosa).

segunda-feira, 16 de junho de 2008

eu-caolha

um olho fechado e outro aberto
meu coração na encolha