domingo, 27 de novembro de 2011
Carta a uma aluna
Queridinha:
(...)
Quanto ao amor, não tenho conselhos a lhe dar, mas pelo menos, advertências. O amor é algo de grave onde frequentemente corremos o risco de um engajamento para sempre tanto da própria vida quanto da vida de um outro ser humano. Podemos dizer que este risco sempre existe, a menos que um dos dois faça do outro o seu brinquedo; só que, neste caso - o que é muito frequente - o amor passa a ser algo de odioso. Veja: o essencial do amor consiste em que um ser humano tem uma necessidade vital de outro ser humano - necessidade recíproca ou não, durável ou não, depende do caso. A partir de então, o problema é conciliar semelhante necessidade com a liberdade, e desde tempos imemoriais, os homens debatem esse problema. Por isso, a idéia de procurar o amor para ver o que é, para animar um pouco a vida por demais triste, etc, me parece perigosa e, principalmente, pueril. Posso dizer-lhe que na sua idade, e mais tarde também, quando tive a tentação de procurar conhecer o amor, afastei-a; eu me dizia que era melhor não arriscar o engajamento de toda a minha vida numa direção impossível de prever antes de ter atingido um grau de maturidade que me permitisse saber ao certo o que é que quero da vida de uma forma geral, o que é que espero dela. Não digo isso como um exemplo; cada vida segue dentro de suas próprias leis. Mas você pode extrair algo para pensar. Acrescento que o amor me parece comportar um risco mais assustador ainda do que o de engajar cegamente a nossa própria existência; é o risco de nos tornarmos o árbitro de uma outra existência humana, quando se é profundamente amado. Minha conclusão (que só lhe dou como uma indicação) não é a de que se deva fugir do amor, mas que não o devemos procurar, e principalmente quando somos muito jovens. É muito melhor, eu nesse caso, não o encontrar, acredito eu.
(...)
Simone Weil, 1934, em A condição operária e outros estudos sobre a opressão.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
cinco lições de inglês
That summer he missed his lover – Ele puxou do bolso, com máximo cuidado, a última carta, a qual imediatamente rasgou-se ao longo das dobras puídas.
The letter confused her – Mesmo depois de ler e reler a carta ela não conseguia impedir que suas maiores expectativas, seus piores temores, oscilassem em sua mente _ crianças numa gangorra.
She felt very sad – Ela andava, dia e noite, como se levasse no peito a vidraça que uma pedra acabou de acertar.
He was angry – Ele batia com insistência a ponta do sapato no rodapé, e, repentinamente, repetia entre dentes alguma frase incompreensível, que pontuava com um soco.
She begged him to stay – Ela agarrou-se à manga de sua camisa sem dizer palavra
Cláudia Roquette-Pinto
The letter confused her – Mesmo depois de ler e reler a carta ela não conseguia impedir que suas maiores expectativas, seus piores temores, oscilassem em sua mente _ crianças numa gangorra.
She felt very sad – Ela andava, dia e noite, como se levasse no peito a vidraça que uma pedra acabou de acertar.
He was angry – Ele batia com insistência a ponta do sapato no rodapé, e, repentinamente, repetia entre dentes alguma frase incompreensível, que pontuava com um soco.
She begged him to stay – Ela agarrou-se à manga de sua camisa sem dizer palavra
Cláudia Roquette-Pinto
sábado, 27 de agosto de 2011
terça-feira, 16 de agosto de 2011
aproveitando o tempo da fila...
Pelo reflexo na tela do computador pude ver que alguém se aproximava da porta de vidro. O ar condicionado resfriou meu ante-braço esquerdo, mas não a palma de minha mão direita. Falta um pouco mais que duas horas para o jantar. Ao telefone, alguém procura pela funcionária que está perto do fim de seu horário de almoço. Ela retornará às 16h, com alguns minutos de antecedência ou atraso.
É um lugar fechado e verde-claro, com exceção da porta de vidro que liga (e separa) o claustro a um corredor, onde pode-se servir de água e/ou café. Também o chão tem outra cor. É branco. Há um paninho úmido de álcool para matar fungos, ácaros, irradiar moscas e formigas, proteger os olhos, a garganta, as narinas.
Formávamos uma fila acomodados em cadeiras aleatórias. Cada um sabia o seu lugar e nossa classificação ascendia na medida em que alguém era chamado, ou que chegava um novo último. Este, por vezes, não encontrava assento. Eu me senti confortavelmente sozinha, mas não consegui o emprego.
(2009)
É um lugar fechado e verde-claro, com exceção da porta de vidro que liga (e separa) o claustro a um corredor, onde pode-se servir de água e/ou café. Também o chão tem outra cor. É branco. Há um paninho úmido de álcool para matar fungos, ácaros, irradiar moscas e formigas, proteger os olhos, a garganta, as narinas.
Formávamos uma fila acomodados em cadeiras aleatórias. Cada um sabia o seu lugar e nossa classificação ascendia na medida em que alguém era chamado, ou que chegava um novo último. Este, por vezes, não encontrava assento. Eu me senti confortavelmente sozinha, mas não consegui o emprego.
(2009)
sexta-feira, 8 de abril de 2011
colegas malignos
abraçados no chão há quatro meses
os colegas de casa malignos
acordam famintos
por omeletes
que cheiram a morte
& sustentam tardes de arte
& tardes de tédio
& tardes de sexo
com cantoras líricas
que saem chorando do banho
que lambem os lábios diante dos omeletes
que gritam muito dentro dos quartos
castigadas por um dos colegas de casa
que está se sentindo especialmente maligno hoje
que não recebeu este mês nenhum dinheiro dos pais
que não criou este ano nenhum objeto artístico digno
de atenção
ana guadalupe
os colegas de casa malignos
acordam famintos
por omeletes
que cheiram a morte
& sustentam tardes de arte
& tardes de tédio
& tardes de sexo
com cantoras líricas
que saem chorando do banho
que lambem os lábios diante dos omeletes
que gritam muito dentro dos quartos
castigadas por um dos colegas de casa
que está se sentindo especialmente maligno hoje
que não recebeu este mês nenhum dinheiro dos pais
que não criou este ano nenhum objeto artístico digno
de atenção
ana guadalupe
segunda-feira, 14 de março de 2011
"O lugar para onde caminha os desenvolvimentos do problema da homossexualidade é o problema da amizade."
"Tão longe quanto me recordo, desejar rapazes é desejar relações com rapazes. E isso foi sempre, para mim, algo importante. Não forçosamente sob a forma do casal, mas como uma questão de existência: Como é possível para homens estarem juntos? Viver juntos, compartilhar seus tempos, suas refeições, seus quartos, seus lazeres, suas aflições, seu saber, suas confidências? O que é isso de estar entre homens "nus", fora das relações institucionais, de família, de profissão, de companheirismo obrigatório? É um desejo, uma inquietação, um desejo-inquietação que existe em muitas pessoas.
(...)
Há um livro que apareceu nos EUA sobre a amizade entre as mulheres (Faderman, L. Surpassing the Love of Men. New York: William Marrow, 1980). É muito bem documentado a partir de testemunhos de relações de afeição e paixão entre mulheres. No prefácio, a autora diz que ela havia partido da idéia de detectar as relações homossexuais e se deu por conta de que essas relações não somente não estavam sempre presentes, mas que não era interessante saber se se poderia chamar a isso de homossexualidade ou não. E que, deixando a relação desdobrar-se tal como ela aparece nas palavras e nos gestos, apareceriam outras coisas bastante essenciais: amores, afetos densos, maravilhosos, ensolarados ou mesmo, muito tristes, muito obscuros. Este livro mostra também em que ponto o corpo da mulher desempenhou um grande papel e os contatos entre os corpos femininos: uma mulher penteia outra mulher, ela se deixa maquiar e vestir. As mulheres teriam direito ao corpo de outras mulheres, segurar pela cintura, abraçar-se. O corpo do homem estava proibido ao homem de maneira mais drástica. Se é verdade que a vida entre mulheres era tolerada, é somente em certos períodos e a partir do séc. XIX que a vida entre homens foi, não somente tolerada, mas rigorosamente obrigatória: simplesmente durante as guerras.
Igualmente nos campos de prisioneiros. Havia soldados, jovens oficiais que passaram meses, anos juntos. Durante a guerra de 1914, os homens viviam completamente juntos, uns sobre aos outros, e, para eles isso não era nada, na medida em que a morte estava ali; e de onde finalmente a devoção de um ao outro, o serviço feito era sancionado por um jogo de vida e morte. Fora algumas frases sobre o coleguismo, sobre a fraternidade da alma, de alguns testemunhos muito parciais, o que se sabe sobre furacões afetivos, sobre essas tempestades do coração que puderam haver ali nesses momentos? E alguém pode perguntar o faz que nessas guerras absurdas, grotescas, nesses massacres infernais, que as pessoas, apesar de tudo, tenham se sustentado? Sem dúvida, um tecido afetivo. Não quero dizer que era porque eles estavam amando uns aos outros que continuavam combatendo. Mas a honra, a coragem, a dignidade, o sacrifício, sair da trincheira com o companheiro, diante do companheiro, isso implicava uma trama afetiva muito intensa. Isto não quer dizer: "Ah, está aí a homossexualidade!" Detesto este tipo de raciocínio. Mas sem dúvida se tem aí uma das condições, não a única, que permitiu suportar essa vida infernal em que as pessoas, durante semanas, rolassem no barro, entre os cadáveres, a merda, se arrebentassem de fome; e estivessem bêbadas na manhã do ataque."
De l'amitié comme mode de vie. (trechos de) Entrevista de Michel Foucault a R. de Ceccaty, J. Danet e J. le Bitoux, publicada no jornal Gai Pied, nº 25, abril de 1981, pp. 38-39. Tradução de wanderson flor do nascimento.
enviada a mim por minha amiga Nuccia.
(...)
Há um livro que apareceu nos EUA sobre a amizade entre as mulheres (Faderman, L. Surpassing the Love of Men. New York: William Marrow, 1980). É muito bem documentado a partir de testemunhos de relações de afeição e paixão entre mulheres. No prefácio, a autora diz que ela havia partido da idéia de detectar as relações homossexuais e se deu por conta de que essas relações não somente não estavam sempre presentes, mas que não era interessante saber se se poderia chamar a isso de homossexualidade ou não. E que, deixando a relação desdobrar-se tal como ela aparece nas palavras e nos gestos, apareceriam outras coisas bastante essenciais: amores, afetos densos, maravilhosos, ensolarados ou mesmo, muito tristes, muito obscuros. Este livro mostra também em que ponto o corpo da mulher desempenhou um grande papel e os contatos entre os corpos femininos: uma mulher penteia outra mulher, ela se deixa maquiar e vestir. As mulheres teriam direito ao corpo de outras mulheres, segurar pela cintura, abraçar-se. O corpo do homem estava proibido ao homem de maneira mais drástica. Se é verdade que a vida entre mulheres era tolerada, é somente em certos períodos e a partir do séc. XIX que a vida entre homens foi, não somente tolerada, mas rigorosamente obrigatória: simplesmente durante as guerras.
Igualmente nos campos de prisioneiros. Havia soldados, jovens oficiais que passaram meses, anos juntos. Durante a guerra de 1914, os homens viviam completamente juntos, uns sobre aos outros, e, para eles isso não era nada, na medida em que a morte estava ali; e de onde finalmente a devoção de um ao outro, o serviço feito era sancionado por um jogo de vida e morte. Fora algumas frases sobre o coleguismo, sobre a fraternidade da alma, de alguns testemunhos muito parciais, o que se sabe sobre furacões afetivos, sobre essas tempestades do coração que puderam haver ali nesses momentos? E alguém pode perguntar o faz que nessas guerras absurdas, grotescas, nesses massacres infernais, que as pessoas, apesar de tudo, tenham se sustentado? Sem dúvida, um tecido afetivo. Não quero dizer que era porque eles estavam amando uns aos outros que continuavam combatendo. Mas a honra, a coragem, a dignidade, o sacrifício, sair da trincheira com o companheiro, diante do companheiro, isso implicava uma trama afetiva muito intensa. Isto não quer dizer: "Ah, está aí a homossexualidade!" Detesto este tipo de raciocínio. Mas sem dúvida se tem aí uma das condições, não a única, que permitiu suportar essa vida infernal em que as pessoas, durante semanas, rolassem no barro, entre os cadáveres, a merda, se arrebentassem de fome; e estivessem bêbadas na manhã do ataque."
De l'amitié comme mode de vie. (trechos de) Entrevista de Michel Foucault a R. de Ceccaty, J. Danet e J. le Bitoux, publicada no jornal Gai Pied, nº 25, abril de 1981, pp. 38-39. Tradução de wanderson flor do nascimento.
enviada a mim por minha amiga Nuccia.
sexta-feira, 11 de março de 2011
festen
festa de família:
nunca fite
os olhos de
um gorila
escolha no karaoke
uma música
que agrade
ao seu tio
e a você (deve haver)
um selo
família:
redemoinho
de cabelos
nunca fite
os olhos de
um gorila
escolha no karaoke
uma música
que agrade
ao seu tio
e a você (deve haver)
um selo
família:
redemoinho
de cabelos
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
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