quinta-feira, 23 de abril de 2009

O que é que falam, as pessoas que falam sozinhas
na fila do Poupa-Tempo?
O que cantam, as pessoas com seus mp3 players,
caminhando na Estação da Luz
às escuras?
O que elas procuram?
Enquanto os leds dos painéis pingam senhas vagarosamente,
dona Luzia pergunta-se em voz alta quanto tempo poupará,
esperando uma hora e meia na fila.
O que dona Luzia poderá fazer com seu tempo poupado,
ver o programa do Ratinho?
Ajudar seu pastor na coleta da igreja?
Perguntas lançadas ao ar-condicionado permanecem sem respostas.
Dona Luzia folheia a “Harpa Cristã”, onde encontra alento, mas também
os telefones de suas filhas anotados nas páginas em branco.
Nada mais está em branco agora.
Quais são as respostas que nem mesmo o gordinho simpático sentado
debaixo da placa “Informações” pode nos dar?
Nada mais está em branco agora, tudo está
preenchido com perguntas.
São perguntas pretas que surgem nas cabeças das pessoas
brancas e perguntas brancas pintando nas
cabeças das pessoas pretas.
Os PMs perguntam tudo a todos apenas com o olhar,
eles têm esse direito que, igualmente, os exime de respostas.
Um policial não sabe responder nada, a não ser apontar
a direção a seguir sem mesmo conhecer o norte nos mapas.
Todas estas pessoas buscam respostas vazias
cheias de números que nada significam.
Deus é apenas uma palavra em branco e preto
cerzida no tricô que dona Luzia
acaba de terminar.
O registro geral tem 9 números, assim como a data de meu
aniversário é dia 9, mas nenhum deles
– os números ou os dias –
registram a nossa dor.
Eu publiquei 6 livros e nenhum deles
consta em meu atestado de antecedentes criminais,
o que indica haver algo errado com a Justiça
ou com a Poesia.
Lá fora o sol saiu, derretendo a bruma, e a tarde
chegou ao seu ponto final no mesmo tempo
em que a senha de dona Luzia foi chamada.
Nada mais vai nos redimir, nem mesmo o sol tardio
ou a loteria federal.
A vida pode ser só isto, perder a vez
quando o painel te chama e você não vê
porque escreve um poema.





do joca

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