terça-feira, 21 de outubro de 2008

"Meu cabelo foi meio claro por muito tempo, mas passaram azeite de oliva nele até que ficasse preto.
Meus pais moravam no segundo andar da casa. Com o pretexto de que era perigoso criar uma criança num andar superior, minha avó arrancou-me dos braços de minha mãe no meu quadragésimo nono dia. Minha cama foi colocada no quarto de doente de minha avó, permanentemente fechado e abafado com odores de doença e velhice, e fui criado ali, ao lado de sua cama de doente.
Quando tinha cerca de um ano, levei um tombo do terceiro degrau da escada e machuquei a testa. Minha avó tinha ido ao teatro, e os primos de meu pai e minha mãe estavam desfrutando da folga ruidosamente. Aconteceu de minha mãe levar alguma coisa para o segundo andar. Seguindo-a, fiquei preso na cauda do sei quimono e caí.
Telefonaram para o teatro onde minha avó estava assistindo a um espetáculo de cabúqui. Quando ela chegou, meu avô foi ao seu encontro. Parou no vestíbulo, sem tirar os sapatos, apoiada na bengala que levava na mão direita, e encarou fixamente meu avô. Quando falou, foi num tom estranhamente calmo, embora parecesse rasgar cada palavra:
- Ele está morto?
- Não.
Então, tirando os sapatos e atravessando o vestíbulo, seguiu pelo corredor com passos tão seguros quanto os de uma sacerdotisa..."



trecho de "Confissões de uma máscara", de Yukio Mishima.

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