bocê guarda a sua dor
en el fundo de la entraña
non fica fazendo manha
aguenta firme todo esse horror
bocê non finge u dolor que sente
real demais – parece ficción
a dor que dói sem doer un corazón
nem bocê nem ninguém entende
bocê sofre calado la dor que non entende
transforma ele em rima
em mel, em olhos abertos, em endorfina
la dor quase nem se siente
entre el futuro y tudo lo mais que embolorou
bocê esconde legal a sua dor
douglas diegues
sexta-feira, 27 de março de 2009
quinta-feira, 26 de março de 2009
quinta-feira, 19 de março de 2009
Prova
Traçada em vermelho sangue, a nota, sob
o triângulo retângulo formado
por uma dobra ao canto superior
direito da folha de papel almaço
pautado que suportara aquela prova
final de matemática, reprovava-o.
Justa recompensa para quem em toda
aula refolhando-se em si mesmo, sáfaro,
ensimesmado e contudo alienado
de si, não reconhece jamais a imagem
pura que dele o duro espelho cifrado
da matemática, ao refletir, refrange.
Distrai-se a ouvir sirenes, risos de moças
lá longe, lotações, bondes, bicicletas
a fugir da escola rumo a nebulosas
destinações. Vê que esqueceu a caneta.
Acha um toco de lápis que com os dentes
e as unhas aponta e, surdo para leis
que alguém que não ele mesmo delibere –
gênio, deus, demônio, anjo, monstro ou rei –,
debruça-se em seu caderno a rabiscar
quiçá uma gramática especulativa
ou uma característica universal
excogitada por via negativa
e abstrusa, e acintosamente descura
das matérias do curso e dos professores
e alunos que o cercam e jamais capturam.
A sineta toca. Pelos corredores
pensa no pai, na mãe, na avó, no vexame
e na decepção de todos. Seu fastio
é enorme: despreza a vida e a gravidade
com que a encaram. Pondera o suicídio
e se sente mais leve. Pode atirar-se
do terraço do prédio do consultório
do seu dentista, alto sobre a cidade.
Fora da escola toma um sorvete e um ônibus
até o ponto final, no centro. Caminha
até o edifício, pega o elevador
até o último andar, depois ainda
galga um lance de escadas e alcança ao pôr-
do-sol a cidade alâmbar a seus pés.
Decide escrever uma carta ou uma nota
no próprio papel da prova, mas cadê
o toco de lápis? Largara-o na escola.
Resolve deixar para alguma outra hora
o suicídio. Dobra o papel, desdobra,
dobra e o solta a dar voltas, revoltas, voltas
acima de todas as coisas, gaivota.
do antonio cícero, no escolhas afectivas.
o triângulo retângulo formado
por uma dobra ao canto superior
direito da folha de papel almaço
pautado que suportara aquela prova
final de matemática, reprovava-o.
Justa recompensa para quem em toda
aula refolhando-se em si mesmo, sáfaro,
ensimesmado e contudo alienado
de si, não reconhece jamais a imagem
pura que dele o duro espelho cifrado
da matemática, ao refletir, refrange.
Distrai-se a ouvir sirenes, risos de moças
lá longe, lotações, bondes, bicicletas
a fugir da escola rumo a nebulosas
destinações. Vê que esqueceu a caneta.
Acha um toco de lápis que com os dentes
e as unhas aponta e, surdo para leis
que alguém que não ele mesmo delibere –
gênio, deus, demônio, anjo, monstro ou rei –,
debruça-se em seu caderno a rabiscar
quiçá uma gramática especulativa
ou uma característica universal
excogitada por via negativa
e abstrusa, e acintosamente descura
das matérias do curso e dos professores
e alunos que o cercam e jamais capturam.
A sineta toca. Pelos corredores
pensa no pai, na mãe, na avó, no vexame
e na decepção de todos. Seu fastio
é enorme: despreza a vida e a gravidade
com que a encaram. Pondera o suicídio
e se sente mais leve. Pode atirar-se
do terraço do prédio do consultório
do seu dentista, alto sobre a cidade.
Fora da escola toma um sorvete e um ônibus
até o ponto final, no centro. Caminha
até o edifício, pega o elevador
até o último andar, depois ainda
galga um lance de escadas e alcança ao pôr-
do-sol a cidade alâmbar a seus pés.
Decide escrever uma carta ou uma nota
no próprio papel da prova, mas cadê
o toco de lápis? Largara-o na escola.
Resolve deixar para alguma outra hora
o suicídio. Dobra o papel, desdobra,
dobra e o solta a dar voltas, revoltas, voltas
acima de todas as coisas, gaivota.
do antonio cícero, no escolhas afectivas.
quarta-feira, 11 de março de 2009
quinta-feira, 5 de março de 2009
...uma semana depois: Plínio Marcos (de rebordosa) na Sapucaí.
"Em 1964, os novos detentores do poder tinham interesse em mostrar ao mundo que o povo brasileiro estava alegre e feliz. E por isso, iniciou uma campanha de incentivo ao carvaval, para atrair turistas, e descarregou dinheiro nas escolas de samba por dois motivos demagógicos. O primeiro era que, com dinheiro, as escolas de samba poderiam ostentar um padrão de luxo que os turistas aceitassem, por se parecer a uma cópia dos seus brilhos feita por bárbaros. E o segundo, por saber que, escondida sob lantejoulas e missangas, a miséria das pessoas que desfilariam para gringo ver ficaria disfarçada. Mas, nem eles por certo poderiam contar com o apoio inconsciente que artistas ditos progressistas, estudantes e a classe média iam lhes dar. Essa gente semi-intelectualizada, assombrada com a repressão violenta por parte da ditadura, se acanhou e foi perdendo seus próprios espaços de manifestação. Ficou naturalmente carente, desorientada, sem bússola espiritual. E, na ânsia de se afirmar, foi facilmente envolvida pela propaganda das escolas de samba e foi espiar a coisa de perto. Claro que o povão, antes como depois do golpe, continuava o mesmo. Na verdade, nem perceberam a diferença entre o governo que havia antes e o de depois do golpe. Como já disse, nenhum governo, desde que a nação brasileira foi fundada, emanou do povo. Por isso, com a ditadura que empolgou o poder na força das armas, ou com a ditadura instalada no poder por maquinações econômicas, para o povão lesado sempre houve violência, injustiça, impedimentos mil, para que ele se organizasse: prisões arbitrárias, tortura, fome, desemprego, tudo. Sendo assim, quando a burguesia foi se chegando nas escolas de samba, encontrou o povão como sempre. Sofrido, mas sabendo se expandir, se comunicar, amar dentro das suas precárias condições de vida. Então, padece, tem a alma em farrapos, lanhada por dores atrozes, mas sorri. E o burguês se admirou disso, dessa alegria, dessa fibra, dessa coragem. Ficou encantado com a hospitaleira acolhida dada a ele por aquela gente humilde dos subúrbios. Já os sambistas se entusiasmavam com os visitantes. Eles vinham, pagavam ingresso, gastavam na birosca das quadras e ainda batiam palmas. Uma beleza, parecia para aquela gente ingênua. E dentro dessa ingenuidade, eles se abriram sem nenhuma defesa. Os burgueses, por necessidade de afirmação, mas com a pretensão de ajudar, começaram a impor seus valores culturais, em detrimento da cultura popular. De saída, trouxeram professores de história das universidades para fazer enredos para o carnaval, depois professores de português para corrigir os erros de ortografia nas letras dos sambas. Atraíram cronistas mundanos, artistas e intelectuais decadentes para julgar os sambas. Daí pra frente, foi a zorra total. Vieram artistas plásticos para desenhar fantasias e bolar as alegorias, vieram coreógrafos para dar passos marcados para as alas, vieram compositores das rádios, veio a multinacional para gravar os sambas que estivessem dentro dos padrões que eles achassem consumíveis. Para encurtar o casao, de repente, o único que não era necessário na escola de samba era o sambista. Milionários, artistas da televisão, intelectuais, políticos eram os donos das escolas. Gente do morro só servia para bater tamborim, empurrar alegoria e carregar calda de fantasia das madames. O povão foi sendo marginalizado dentro do seu prórpio espaço. Foram sendo contratados para, na hora de folga, darem segurança nas quadras. Eram orientados do mesmo jeito que são na polícia: impedir que quem tem seja molestado por quem não tem. Nas quadras, os leões-de-chácara davam sempre razão para quem tinha dinheiro para gastar. E esses, evidentemente, eram os invasores. Com isso, o sambista foi se afastando. Só que na escola de samba, como em todas as artes, há uma coisa que o dinheiro não consegue inventar: o talento. Então, a situação encardiu com o afastamento dos sambistas. O jeito foi apelar para o poder econômico. Os dirigentes das escolas, politiqueiros escrotos, banqueiros de bicho, ricos de projeção social, passaram a contratar os sambistas. Mestre-sala, porta-bandeira, puxador de samba, batuqueiro, só eram recrutados com pagamento. Só que, pra um povo generoso como o nosso, trabalho é trabalho e diversão é diversão. Desde que o samba passou a ser emprego, deixou de ter graça. "Deixa eu tocar meu tamborim até me acabar" , é uma coisa. "Toca aí esse tamborim até se acabar", é outra coisa. E a partir daí foi uma loucura. Teve escola de samba que instituiu livro de ponto para os sambistas, para forçá-los a não faltarem e nem chegarem atrasados nos ensaios. Mas teve coisa pior. Por mais que a burguesia, em prosa e verso, afirme que quem nasce no morro é sambista, isso não é verdade. Smbista é um artista. E como em qualquer comunidade, os dons são diversificados. Deus não dota a todos com todos os dons. Uns sambam, outros jogam bola, outros entendem dos santos, outros tiram a carteira do bolso do rico com perícia, outros usam a força física para assaltar, outros são marceneiros, pintores, encanadores, enfim, cada um sabe um pouco. Só Deus sabe tudo. E seria bom que cada ser humano fosse integralmente respeitado pelo pouco que sabe, que é sempre pouco, por maior que seja a sua sabedoria. Mas, assim não se dá na sociedade de consumo. E assim não se deu nas escolas de samba. Quem tocava surdo, pandeiro ou tamborim tinha serventia e foi contratado para animar ensaio, para empurrar a escola na avenida. Os outros, que costumavam ir lá brincar, dançar samba como lazer, pular, curtir, não tinham serventia. O preço alto dos ingressos os impediu de entrar nas quadras. Então se deu uma onda de violência ao redor das escolas de samba. Alguns poucos, feridos nos seus brios, partiram para revidar a afronta com agressões aos visitantes. Roubavam seus carros, furavam os pneus, assaltavam quem chegava e quem saía das quadras. Os dirigentes das escolas nem vacilaram. Exigiram ação pronta e rápida da polícia. E ela veio, e veio mais ainda. Veio a ação do Esquadrão da Morte. Com mais armas, com maior contingente humano, com garantia de impunidade, em dois tempos a área estava limpa. Só restava um povão lesado, sem perspectiva, sem espaço de manifestação espontânea, desarmado, desvinculado da própria cultura (...)A classe média foi desalojada dos seus espaços naturais pela ditadura militar. Em vez de se defender, fugiu e foi fazer a mesma coisa com os segmentos abaixo dela. Usou o dinheiro, impôs valores culturais, usou a força das armas para garantir as ditadura que começou a exercer no seu novo espaço. Sei que havia gente generosa que acreditava que com isso estava ajudando o desenvolvimento do povo. Mas a generosidade se anula pela pretensão de quem se sente o iluminado, o dono da verdade, o predestinado a salvar os outros."
Plínio Marcos, em debate com os espectadores da sua peça "Jesus Homem", registrado no livro "Jesus Homem" (1981).
Plínio Marcos, em debate com os espectadores da sua peça "Jesus Homem", registrado no livro "Jesus Homem" (1981).
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