terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Despiste para resoluções de ano novo

de sua parte agora
poderia ruir-se o mundo
em estilhaços
pequenos absurdos
tintura descamada ou
pele de que se ausentasse
o tom corado por
um lycra orgânico albino;
não interessava-lhe
mais o gesto de sondar
os olhares e as
mentes, as gentilezas
miméticas, o dar de mãos
ou ombros,
a secura na garganta ou
a vazão de um punhado
de coisas gentis
por ditas.

esperava chegar o
ônibus, aguardava paradas,
cumpria um desejo
secreto de faltar
ao trabalho, havia –
tantas outras vezes antes –
abraçado a inércia como
a um irmão e,
agora algum aplauso,
tornava ao queixume,
esperava condolência
desejava o abraço de
um banco de parque
enquanto
desconecto
se doava ao encanto
ínfimo e sísmico
dos fones de ouvido.
parava
à própria sorte
mascando um começo
de término, um retrocesso
à infância, uma
viagem entre paletas,
e fosse como fosse o ônibus
não chegava
o som das rodas velhas não
chegavao rugido do motor –
tetânico, até – não
entrava pela rua em que
como os favores paralisados
de um eunuco
detinha-se sua visão
e o jornal de ontem
um desarranjo vascular
em perceber a
data
um despiste de olhos
para quando
estivesse no maldito ônibus
que
não chegava
parecia fazer coçar
mais as mãos
os dedos, o punho
(como a pulseira
plástica de um relógio)
e se algum bom dia
viesse, rasante, sorrateiro entre
as deformações das outras
falas matinais
ele seria ignorado.
não há ônibus,
não há contra-espera,
não há espaço para
a nota de um mísero
número de telefone
não há, visível, nenhum
mendigo catastrofista
com placa anunciando o fim.


do renato mazzini


intempéries, por franklin nunes

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Declaração de fim de tarde

tudo isso é só porque você me guia
cega-surda-muda
no fio de uma corda bamba
sem guarda-chuva
porque você me abraça de um jeito que eu gosto muito
e não ri das minhas piadas sem graça
porque a gente bebe garrafas de vinho e cerveja
dentro de uma péssima segunda-feira abafada
porque somos dois porcos na santa ceia
sem receio algum de parecermos santos.



luana vignon escreveu sobre minha saudade piegas

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O ANJO DO ÁCIDO ELÉTRICO

o anjo sujo, esfarrapado
remela nos olhos
cabeça feita
bate as asas sob o céu lilás
:
luas se dissolvem
(comprimidos de sonrisal
na fornalha da noite)
música que não cessa
minha mão dentro da sua
veias são nervuras
golfinho saltando
na pele das costas
vênus vestindo
um manto de água
a ninfa chapada
de olhos elétricos
cores girando
no abismo sem fundo
dança de estrelas
no teto da sala
dois sóis em cada ontem
três vozes
na voz de quem cala





do ademir assunção, no blog do chacal

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

estojos

(é primavera e os morcegos estão parindo)
a boca de Mariana finalmente esfriou,
livro-me dela no corredor do São Miguel e Almas

encontro a capela 3-B, Olga (anote: antes de Mariana),
em prováveis catorze anos, segura a mão de um homem rico,
aguardo-a sair, oriento-a até o jardim escuro

escondidos atrás da caravan da funerária,
deito-a sobre os ladrilhos, encosto meu olho
direito aberto no seu esquerdo, choro

“tuas lágrimas ardem”, ela diz,
aguardo ajoelhado, segurando-lhe as mãos
(as nuvens cobrem a lua)

depois de minuto, pergunto seu nome,
já com voz diferente, responde “Lúcia”
e sorri como se caçoasse de um inexperiente


do paulo scott, no blog do guiga

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

"the world is a vampire"

terça-feira, 2 de dezembro de 2008


por Isabel Santana, no blog do Joca.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

desapego - lado B

"Foi um doloroso despertar. Por que as coisas eram tão erradas assim? As perguntas que eu me fazia desde menino um sem-número de vezes subiram novamente a meus lábios. "Por que todos nós somos oprimidos pelo dever de destruir tudo, mudar tudo, confiar tudo à impermanência? É a esse dever desagradável que o mundo chama vida? Ou sou eu o único para quem isso é um dever?" Pelo menos não havia dúvida de que eu era o único a considerar o dever como uma carga pesada.
Finalmente falei:

- Então, você vai embora...Mas claro que mesmo que ficasse aqui, eu teria que partir dentro de pouco tempo...
- Para onde você vai?
- Resolveram mandar-nos viver e trabalhar em alguma fábrica novamente, no começo deste mês ou em abril.
- Mas uma fábrica... Vai ser perigoso, com os ataques aéreos e tudo.
- Sim, vai ser perigoso - respondi desanimado.

Despedi-me tão rapidamente quanto possível..."


trecho do livro "Confissões de uma máscara", de Yukio Mishima.