quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Sou uma criança e não entendo nada

antigamente quando eu me excedia
ou fazia alguma coisa errada
naturalmente minha mãe dizia
ele é uma criança, não entende nada
por dentro eu ria satisfeito e mudo
eu era um homem, entendia tudo

hoje só com meus problemas
rezo muito, mas eu não me iludo
sempre me dizem quando eu fico sério
ele é um homem e entende tudo
por dentro, com a alma atarantada
sou uma criança, não entendo nada



(Giuseppe Ghiaroni/Erasmo Carlos)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Retrato de Lewis Payne





por Alexander Gardner, 1865.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Rebento

Rebento
subtantivo abstrato
O ato, a criação, o seu momento
Como uma estrela nova e o seu barato
que só deus sabe, lá no firmamento
RebentoTudo o que nasce é Rebento
Tudo que brota, que vinga, que medra
Rebento raro como flor na pedra,
rebento farto como trigo ao vento
Outras vezes rebento simplesmente
no presente do indicativo
Como as correntes de um cão furioso,
ou as mãos de um lavrador ativo
às vezes mesmo perigosamente
como acidente em forno radioativo
Às vezes, só porque fico nervoso, rebento
às vezes, somente porque estou vivo!
Rebento, a reação imediata
a cada sensação de abatimento
Rebento, o coração dizendo: Bata!
a cada bofetão do sofrimento
Rebento, esse trovão dentro da mata
e a imensidão do som desse momento


gilberto gil

terça-feira, 21 de outubro de 2008

"Meu cabelo foi meio claro por muito tempo, mas passaram azeite de oliva nele até que ficasse preto.
Meus pais moravam no segundo andar da casa. Com o pretexto de que era perigoso criar uma criança num andar superior, minha avó arrancou-me dos braços de minha mãe no meu quadragésimo nono dia. Minha cama foi colocada no quarto de doente de minha avó, permanentemente fechado e abafado com odores de doença e velhice, e fui criado ali, ao lado de sua cama de doente.
Quando tinha cerca de um ano, levei um tombo do terceiro degrau da escada e machuquei a testa. Minha avó tinha ido ao teatro, e os primos de meu pai e minha mãe estavam desfrutando da folga ruidosamente. Aconteceu de minha mãe levar alguma coisa para o segundo andar. Seguindo-a, fiquei preso na cauda do sei quimono e caí.
Telefonaram para o teatro onde minha avó estava assistindo a um espetáculo de cabúqui. Quando ela chegou, meu avô foi ao seu encontro. Parou no vestíbulo, sem tirar os sapatos, apoiada na bengala que levava na mão direita, e encarou fixamente meu avô. Quando falou, foi num tom estranhamente calmo, embora parecesse rasgar cada palavra:
- Ele está morto?
- Não.
Então, tirando os sapatos e atravessando o vestíbulo, seguiu pelo corredor com passos tão seguros quanto os de uma sacerdotisa..."



trecho de "Confissões de uma máscara", de Yukio Mishima.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

a viciada em madrugadas
roía suas últimas unhas
enquanto amanhecia
(seu cachorro, muito sensível, rosnava fobia social)